22/04/09

Um gesto simples...




...o que eu gostava,
o que eu queria,
o que teria a desejar
se fosse capaz de desejar
e não sou, era que uma mão
permanecesse para sempre
segura na minha.

Regresso


Por vezes perco-me e não sei que rumo me hei-de dár.
Até o barulho horrível a imitar o silêncio, confunde as
lamúrias que as ondas se encarregam de calar.
Quero que o mar emudeça de vez para não me agitar
lembranças e, que os passos na areia, pisando restos
de naúfrago, sobre nuvens em que o céu se pregueia,
vença o passado que me vence, mesmo quando não
falamos, porque há memórias que se movem e nos
incomodam por dentro, ao trocarem de lugar.
- O nome predicativo do sujeito há-de acompanhar-
me sempre.
Tanta desilusão de espanto!
O tempo que faltava ao relógio acabou, ou será o
relógio parado numa hora sem importância?
Provavelmente continuarei viva, enquanto o relógio for
trotanto, embora sem ponteiros nem mostrador.
Não é o relógio que trota, é o tempo que não precisa
de mecanismos, não liga a manhãs, noites, nem áquilo
que somos.
Aconchego a manta nos ombros, nesta manhã que
a Primavera espreita ainda molhada.
Lá fora sompram as rãs em sinfonia numa ilha de canas.
Mais adiante um depósito pernalta, onde as cegonhas
apreciam os seus voos infinitos, esse revoar de poeira
que demora decénios a assentar.
Hum...calmia, qualquer coisa intemporal a serenar-me
o mundo lento, eu eterna.
Ouço as rolas de volta sempre das mesmas oliveiras,
cujas raízes talvez discursem sobre a existência de deus,
agora os troncos, duvido, vão-se tornando de granito-
- Metamorfoses da velhice.
Afinal tenho tempo.
Estou de regresso!
Tanta coisa inútil que fui reunindo com os anos para
se compor um passado.
O passado falhou-me, sobra um presente estreito, neste
canto tão meu. E porque cheguei, pensarei com o que
me ocuparei quando não me ocupar com nada.
Sorrio... aproveito serenamente este dia, aqui, onde as
lutas não são inglórias, sou eu:


- De regresso á minha casa.



20/04/09

Memórias



Aqui estou, numa espreguiçadeira de lona sobre as rosas,
a enlanguescer ao crepúsculo, na paz de Setembro, mês entre
todos amado no seu vagar de bocejo, a promessa do Outono
no rés da terra a chamar-me. Pode ser-se feliz sem pensar,
ser feliz com o cheiro de um silêncio na paz de Setembro,
no seu vagar de bocejo.
Sou eu a espreitar ausências, porque a idade tudo confunde,
desde os cheiros aos sons, memórias defuntas, onde as
emoções não me afligem: - Afinal sempre obedeci por cobardia.
As minha preocupações são rasteiras, vou perdendo as coisas
antes de me perder a mim mesma e, não há em mim memória,
em que lugar me perdi, porque o passado continua a existir ao
mesmo tempo que nós.
Reparem com me suspendo, hesito, começo a trotar e venho,
porque, confesso: Há criaturas eternas.
Aqui e agora, de soslaios ressentidos, vou jogando consoantes
contra o papel.
Vejo o Tejo num postigo com os montes de Almada e por ali
vou eu, descendo as escadas daquele segundo andar,
avaliando os degraus com as biqueiras, riscos nas paredes
e o corrimão descascado.
Os saltos batem na calçada numa sinfonia apressada.
Afasto-me daquele mundo, no fim de contas não esférico,
comprido, nem no pólo se acaba, depois do pólo, mais
mundo, trazendo-me até ali, áquela noite.
- Porque teimas em olhar?
Um rosto atrás do estore, para sempre perdido, talvez aquele
que desejei a vida inteira, sem jamais nos cruzarmos,
que desde o ínicio me pertence e, a quem pertenço,
desconhecendo que lhe pertencia, pela qual morrerei
soluçando de amor, sem nunca nos havermos tocado.
Dobrando a esquina, correndo atrás da manhã, os
candeeiros da rua apagados á pedrada,
apenas as lãmpadas da agência bancária, deixavam ver
de viés o meu rosto reflectido na montra.
Olhando mais uma vez aquele estore, nem um lencito de
adeus, é o grito que nos obriga a suspender o aceno.
Aí estávamos nós, defensores da verdade e da coerência,
sem a miséria de um encorajamento, uma palavra, a
caminharmos numa agitação sem destino, no sentido
do nada, gordurosos de sono e cansaço ou tão sómente
por sentirmos a vida vazia.
Por ali fica a nossa imagem mais algum tempo, na vizinhança
do rio, tralha dos cais, uma espécie de halo
sem origem, cada vez mais afastados.
O céu toca na muralha destingindo nas ondas como o rosto
no estore, pelo qual morreria, sem nos havermos tocado.
Termine o olhar frente a um estore descido e, talvez o rosto
volte, pertence-me, é meu, tantos anos á espera dele.
Despeço-me da vizinhaça do rio, edifícios outrora ricos e
agora desbotados, relevos sobre as portas oxidados,
edifícios de reformados, pobres a fingirem-se partidários
dos que mandam e no entanto conspirando, minando a
opinião de outros, pelo progresso que lhes alterou
o quotidiano.
- Que noite aquela, não fosse a última por mil anos vivesse,
jamais a esqueceria.
Azar o meu ter chegado tão tarde...

Cada porta que se fecha, fecha sobre nós algo que nos mantém
mais distantes do Mundo.