19/08/10

A outra face






















O meu tormento é deste mal só meu...
Este existir sem ter culpa nenhuma
Ser e saber que nunca poderei ser eu
costume assim, que nunca se acostuma.

Por certo algo de mim nunca nasceu
e sou dele fantasma, angústia e bruma
desse que sem ter sido, já morreu
espectro reflectido na penumbra.

Sou ilusão, tormento, a ponteira
desta caneta que a escrever sózinha
faz gota a gota a dor ser verdadeira.

Sou afinal as letras de uma linha
na qual nenhuma dor lá cabe inteira,

Mas que, a cada letra se adivinha.

Abraças-me-nos!























O maior erro das pessoas é querer encontrar
em cada um de nós, as
virtudes que não temos e, no entanto,
desinteressamo-nos por cultivar as que
realmente possuímos. Um homem que
pensa, que calcula, pertence á espécie
e não ao sexo, será que nos seus melhores
momentos escapa mesmo ao humano?
Quando penso no círculo estreito das
mulheres que se apresentam sempre com
adornos muitas, cuja beleza nunca fora
mais do que uma flor de juventude frágil,
nem o amor lhes consegue dar esplendor,
com certos azedumes, uma espécie de
áspera lealdade, entendo-as, mas não
me reconheço nelas.
Consigo ser tão diferente!
Espero que tenha chegado àquela altura
da sua vida, variável para todos os
homens, em que se abandona ao seu demónio
ou ao seu génio e segue uma lei misteriosa
que ordena que se destrua ou se transcenda,
gostava muito que a segunda opção fosse a
mais viável, não por mero capricho ou por
querer iludir-me, eu não me iludo, mas sinto
belo, quando a intimidade dos corpos, que
nunca existiu, seja compensada pelo contacto
de dois espíritos estreitamente identificados
um com o outro.
Acho que o nosso entendimento dispensou
confissões, explicações ou reticências:
bastavam pensamentos desenhados sob
a forma de escrita.
Sinto-me esmagada pela imensidade do mundo,
o sentimento da idade e, o dos limites que afinal
nos encerram a todos, ás vezes é como uma
obsessão, tal como se dá com o amor, que
impede o amante de comer, dormir, pensar e,
até de amar, enquanto certos ritos se não
cumprem.
A minha vida é uma questão de rotina, o
temporário prolonga-se, o exterior infiltra-se
no interior e, com o decorrer do tempo a
máscara torna-se face.
O ódio, a estupidez e o delírio tiveram em
mim efeitos duradouros, agora não vejo
razão para que a lucidez, a justiça e a
benevolência não tenham também a mesma
durabilidade.
Hoje, depois de longas ausências, é
tempo de fazer novos juízos e, de também
ser novamente julgada, já deixaram de censurar
as minhas fraquezas, hoje sou eu mesma que as,
censuro, as minhas derrotas adquirem um
esplendor de vitórias, amadureci, envelheci e
tornei-me numa pessoa melhor.
Agradeço ao meu passado por ter sido
bastante longo, para me ter facultado
exemplos e, não bastante pesado para
me esmagar.
Hoje, toda a explicação lúcida me
convence, toda a delicadeza me conquista e
toda a felicidade, ainda que momentânea,
torna-me moderada.
Nunca tive um sentimento de pertencer
completamente a alguém ou a qualquer lugar,
sempre fui estrangeira em toda a parte, mas
também nunca me senti isolada em parte
alguma.
Quis mudar isso, talvez também eu me
tenha abandonado ao meu génio e seguido
a lei misteriosa de me transcender, eu e
a minha mania de erguer fortificações,
mas em suma, foi a mesma coisa que
construir diques.
Presentemente, brindo ao ardor
rendendo culto á calma, o esplendor
aos pés da beleza, por tudo se resumir
em estarmos juntos, porque todo
o prazer sentido com gosto me
parece casto.

Abraço na ausência, no meu pensamento
presente, desejando que o futuro o encerre
numa sublime recordação.

Indelevel (de mim...)

Parei olhando o mar, redemoinhos
de água turbilhonada contra terra.
Vi na voracidade apocalíptica
dos elementos, acção furibunda
de energia constante retumbante
o movimento, forma, intensidade
E força, cor e fogo, desvario
deusa subtil, incessantemente de Amor vivo!

Por toda a natureza rediviva
quimérica, da essência efervescente
das tuas coxas-corpo universais
- Em cada vida efémera, toda minha
ficas diáfana, vórtice lembrança

Arco íris de tesouros virginais!



Adeus

















Um Adeus começou quando nos vimos
e nesse Adeus que ainda não parou
há tudo o que vivemos e sentimos
há tudo o que tivemos e passou.

Adeus foi a verdade que mentimos
foi chama, labareda que gelou
foi impossível sonho que dormimos
asa a fugir, na sombra que ficou.

Reclamo os beijos, os gestos, teus e meus
Verdade profunda, sabor a vida
em nós se renovando confirmava...

- Sem sabermos, o vácuo de um Adeus
era a nossa presença proibida

Que para além da morte nos ligava.

Alba



































Caminho sobre espaços de quimera
por essa corda bamba dos meus passos
que religam alvor de  primavera
á realidade feita de fracassos.

Serei poeta, sensibilidade que se gera
até ao fim do sonho, nos meus braços
até julgar que já ninguém me espera
até sentir a dor dos meus cansaços.

De apoteótico dar e receber
corpos e gestos que se reduzem a nada
do frenesim de Amar e de Viver!

Depois, nalguma irónica alvorada
serei apenas mulher a morrer
No abraço de uma noite eternizada.

Nocturno

Por toda a noite, num silêncio estranho,
doei á ventania o pensamento...
Fui pela cidade assim - ideia ou vento
a envolver as formas, ser tamanho
a adentrar as trevas onde tenho
além penumbra e luz, o sofrimento.

Chovia um verniz de esquecimento
corria eu, das sombra, o desenho...

- Vida!
Nem o infinito já me assombra,
se ser ideia ou vento, nada ou sombra
me confortas, que me importas?

Reduz-me ás ventanias invernosas,
vem encher-me de noites tenebrosas

E deixa-me brincar nas coisas mortas!