20/05/09

Despertar


Deve ser tarde porque os ruídos cessaram, os
da casa, nenhuma luz no corredor, emudeceram
os canos, nem uma tábua da cama ao mudar de
posição, nem atrito dos lençóis entre as minhas
pernas.
Lá fora, os candeeiros iluminam a rua a baixa
densidade que não chegam a banhar reflexos
nos vidros.
Deve ser tarde porque os cachorros desistem
imóveis nos tufos dos canteiros, tão inertes que
se confundem com as pedras. Estou acordada
entre pedras, se calhar uma pedra eu também.
Na rua á esquina, intercepção de duas ruas
que vão dár a lado nenhum, espreita a lua.
Lavanta-se o vento acariciando as folhas das
àrvores que gemem baixinho.
Parece que existem momentos nos quais há
um intervalo de doçura em mim, levantam-me
do chão, sinto um corpo a apertar-me e, dedos
que me desarrumam a cara, isto o espaço de
um instante e eu sózinha de novo. Pergunto-me
se teria sido um indício, não cheiro nem som,
contaram-me as àrvores talvez, ou tão sómente
o meu sonho desperto.
Sorrio, escapando essa parvoíce a que chamam
ternura, que me importa a ternura, importa-me
que os ruídos cessem, os meus, os da casa, os
dos cachorros quando correm atribulados de
desejo, o mundo em resumo. Permitam-me
que envelheça em paz e me sinta viva com os
ruídos que identifico, para serenamente manter-
-me longe dos que julgam que nos perderam e
não nos ganharam nunca. Mantém-te longe e
cala-te, tanto quanto eu me mantenho longe
e me calo.
Hoje não sei o que se passa comigo, não há
uma só veia minha que não estale, esta no
coração por exemplo, daqui a nada rebenta
de embolia.
Silêncio.
E os dentes na almofada a morder recordações,
sussurrar mistérios de baú no interior da alma,
visto que é no silêncio e quando menos se espera
que os baús se lamentem.
No Facho em Dezembro, havia alturas em que o
mar era sereno com uma paz de nuvens em cima
e, que ganas de beijar as pedras, reencontra-las,
senti-las na palma, aproxima-las da bochecha,
oferece-las àquele a quem gostava de dizer tantas
coisas, cacarejar de tolices, intimidade que por
pudor escondi.
Descobri, no que respeita ao horizonte, torna-se
difícil distinguir o céu do mar, não um risco como
de costume, o risco ausente de forma que ímpos-
sivel é saber o sítio em que o céu se dobrava e
começava a onda, em que a espuma a franzir-se
morria na areia brilhante, sem marcas de pés ao
retirar-se e eu, não de braços afastados, pegados
ao corpo numa atitude de entrega.
-Quem não se entrega, desmerece ter Alma.
A minha, não me sai do corpo, protesta fechada e
precisa de espaço para arrumar as desimportâncias
da vida.

- Salpico de azul o negro da noite,
rumo a um novo Despertar.

1 comentário:

  1. Os ruídos do silêncio ou o silêncio dos ruídos?
    Hoje também eu acordei com a sensação de não passar dum inquelino dum mundo sem portas nem janelas, condenado a expulsão. Por vezes penso que querem por-me na Mitra!
    Anabela, temos que reagir e atirar o mundo fora e inventar um planeta onde ainda se possa viver!
    Vamos chamar a esse planeta Escada de Salvação.
    Vi recentemente um clip sobre um certo Nink Vujicic que não tem nem pernas nem braços, e que nos dá uma grande lição de coragem e força de ser feliz! Como o admiro, como o invejo! Tenho pernas e braços mas já não vou a parte nenhuma e já não abraço ninguém, mas tenho de continuar a fingir que sou feliz para enganar os outros, enganar-me a mim mesmo e, sobretudo, continuar vivo a despeito de tudo!
    Tens de reagir e continuar viva e seres feliz!
    Basta de fingimentos! Mesmo se o o poeta seja um fingidor! Eu vou agararrar no pouco que me resta e ainda construir o meu Universo!

    Beijo grande e coragem! Avança! Não pares nem recues!
    Rogério

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