27/05/09

Reflexos de ti
















Nunca perguntei nada, mesmo quando eu era
uma criança desarmada, prisioneira daquele colégio,
onde a vida não podia entrar, onde não cabia o mais
leve sopro da minha existência. E, todavia, depois tudo
esteve presente, tudo esteve sobreabundantemente
presente e foi dessa plenitude que nascem todas as
angústias e aflições da vida.
Fui obrigada a formar-me, crescer á pressa, cedendo
ás pressões cegas do meu íntimo, porque todas as
vozes do exterior me foram estranhas e hostis.
Descobri a dívida incobrável da bondade alheia, a
posse dos outros sobre nós, a exigência de que
mudemos de rumo e de feitio, e que o amor
amarrota o corpo.
Descobri o excesso de objectos á nossa volta, os
tapetes que compramos, para tropeçarmos neles.
Descobri o insuportável pipilar das mulheres, e a
obscuridade do mundo urbano tão cheio de nada.
Descobri que a inspiração é volátil.
Pena que as grandes lições de vida sejam forjadas
a fogo.
Provei ainda genorosidades chamadas de Amigos,
capazes de desabar sobre mim tempestades,
trovoadas e bonanças, talvez por isso tenha
aprendido a afeição e a partilha.
Hoje, as noções que ainda não têm nome, são
as mais seguras.
Porque temos nós o rosto a abarrotar exterioridades?
Porque não posso olhar-te e ler no teu rosto o que é
ter de afrontar o mundo inteiro e compôr nessa
superfície tão restrita, um equilíbrio sereno?
Que histórias contará cada sulco que morre na tua
boca, que desilusões rasgadas no teu olhar?
Num altar, manufacturado com quatro tábuas,
descobri-te.
Á janela, uma noite de lua cheia.
A escuridão no interior teimava em ocultar-te,
mas ela espreitava, tão segura de si, espalhando
um jorro de luz, iluminando tão poucos metros,
onde eu nunca pensei serem tantos!
Deitados lado a lado e eu imóvel, á espera que ela
passasse, na timidez dos gestos deixava cair carícias
que por pudor queria esconder.
Abeirei-me por detrás de ti e calculei que do outro
lado estarias á minha espera, violentamente abrasado
pelo desejo. Contentei-me em manter-te a descoberto
repousando a minha face nas tuas costas.
Foi sobre esse plano inclinado que encontrei um lugar
onde ficar, estendida ao longo de ti, num tempo
assustado e infinitamente curioso.
Não sei se alguma vez estive tão consciente da
minha existência, onde tudo o resto perdia valor.
Ela caiu, nossos corpos diluíram-se nas sombras
de nós. Vi-te desenhar pássaros com o sorriso
quando tocaste a parte mais luminosa de mim.
Diz-me, quem te infligiu danos irreparáveis, tu
que patenteias feições humanas e que na tua
elevação te tornas inatingível?
Diz-me o que é isto que por vezes agarramos
nas nossas mãos e outras vezes pomos nas mãos
do destino?
Hoje, vejo no teu rosto, as rotinas do espaço,
devaneios de quem quer viver novamente os
20 anos, perdendo os restos com desimportâncias
da vida, sombras que passam de expressão em
expressão, como fragmentos de um espelho
que já não conheço, reconheço porque vivemos
despertares num espelho de sentimentos capazes
de dominar o mundo.
- Atinjo as regiões do espanto!
Quanto a nós, mesmo me limitando a explicar tudo
o que me vem ao de cima e ferve em mim no meio
das contradições, e mesmo ai, só uma qualquer
divindade sabe se eu conseguria fazer-me entender,
quando o sentido do contexto a mim própria me
escapa.
- Fica no espaço a nossa imagem.

3 comentários:

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  2. Nos reflexos "dele", a tua pena encontrou a sublimidade!
    Avança! Não deixes que a tua sombra se enleieà tua própria sombra!
    Vai! Segue em busca de outra sombra que te mereça!
    A vida vale muito mais do que uma simples resma de ilusões!

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  3. Amiga a tua escrita lembra:
    onda quebrada na areia...
    noite de Lua cheia
    água depois da sede....
    chuva molhando o incandescente deserto
    é o pôr do sol no final da estrada
    é o cheiro de relva molhada
    canto de grilo despertando a madrugada...
    e tudo porque......
    teu amor é assim...
    uma saudade sem fim..
    nem tu sabes o quanto perto de tua alma ...
    te perdes.... e te encontras.!
    Adoro-te...minha querida Bé!...
    Bea

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