09/01/13

Ter razão cedo demais é errar !





Eis me aqui, acocorada neste canto, envolta em pensamentos vagos, palavras soltas,  que me   inquietam o espírito – ter razão cedo demais  é errar !
Numa outra idade, eu não existia ainda senão aos meus próprios olhos e aos daqueles amigos que deviam duvidar de mim, como eu própria duvidada. Já nessa época compreendi que poucos homens se realizam antes de morrer.
Hoje sinto me esmagada pela imensidão do mundo, o sentimento da idade e o dos limites que me encerram. Se algum dia tiver de sentir a tortura de uma qualquer maleita, essa vai sem dúvida encarregar-se de me submeter a ela, não tendo eu a certeza de conseguir em mim, durante muito tempo a impassibilidade de um deus guerreiro, mas terei pelo menos uma única hipótese, a de me resignar aos meus gritos.
Neste  momento ainda sou um ser embriagado de vida que não prevê a morte!

Sou como o amante disposto a tudo por um momento de vertigem!

Já tantas coisas se passaram depois desses ligeiros amores que, e sem qualquer dúvida, já lhes não reconheço o sabor; agrada-me acima de tudo negar que alguma vez me tenham feito sofrer. E, contudo, entre esses, há um que amei deliciosamente.
Dois seres que se prendem ao templo e aos acessórios desse culto que é o Amor; deleitam se com os dedos febris e tintos de hera vermelha, com as fragrâncias na pele, com mil subtilezas que realçam a beleza e que por inteiro a fabricam.

Mas ter razão cedo demais é errar!

Porque ao longo da vida  há sempre alguém para censurar as minhas fraquezas, embora eu me preocupe em manter livres os meus movimentos para ser fácil a minha aproximação, já que neste mundo  onde tudo não é mais do que um turbilhão de forças, dança de átomos, onde tudo está ao mesmo tempo em baixo e em cima, no centro e na periferia, neste mundo onde a dor existe ainda, mas o erro já não; este vago traçado de destino humano, no qual um olhar menos exercitado reconhece tantas faltas, que cintilam como desenhos no céu.

Mas ter razão cedo demais é errar!

- Nada impede tão facilmente um homem resoluto de continuar o seu caminho.

Amei deliciosamente aquele ser.
Admirei aquela indiferença quase altiva por tudo o que não fosse a sua delícia ou a sua verdade; subsistia nele um interesse desinteressado, o escrúpulo, todas as suas virtudes estudadas e austeras. Enternecia-me a sua rude doçura, com aquela dedicação sombria que prometia o seu inteiro ser mas, aquela submissão não era cega, aquelas palperas tantas vezes semi fechadas na aquiescência soerguiam-se;  os mais atentos olhos observavem-me de frente: sentia-me julgada.

Mas ter razão cedo demais é errar!

- Nunca fui senhora absoluta uma única vez e de um único ser!

Os rostos que procuramos desalmadamente escapam-nos: nunca é mais do que um momento...
Nesta minha vida onde tudo chega tarde demais, o poder, a felicidade também, adquire o esplendor do meio-dia pleno, o ensoalheiramento das horas de sesta em que tudo é banhado por uma atmosfera de ouro.  A paixão cumulada tem a sua inocência tão frágil, tal como a fragilidade da vida.
O futuro já pouco importa, deixei de tentar encontrar as respostas, as estrelas passaram a ser apenas admiráveis  desenhos na abóbada celeste, no enquadramento de uma esfera negra em pleno esplendor da meia-noite, porque a minha inocência é  a iniquidade, uma falsa nota a evitar
na harmonia dos sons!
Que violenta virtude, esta obsessão em não querer encerrar a minha vida sem ter saboreado a doce determinação de ser útil.
Não amo de menos, amo demais, mas o peso do amor, tal como o peso de um braço ternamente pousado sobre um peito, torna-se pouco a pouco difícil de suportar.
Encontro-me naquele momento da vida, em que a dança se converte em vertigem, em que o canto se acaba em grito.

Ter razão cedo demais é errar!

- Nada impede tão facilmente um homem resoluto de continuar o seu caminho.

                                      Nem o canto, nem o grito!


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